Há 30 anos, Paulo Lima faz entrevistas com as personalidades mais interessantes do país
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[S01E07] Um Homem Normal
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O episódio "Um Homem Normal", de "Crônicas do Fim do Mundo" foi produzido por Caio Salgado. Comentários, críticas e sugestões: caio@chsalgadofoto.com.br ou pelo Twitter: @chsalgado. Leia essas e outras crônicas no Medium. Acesse o link: goo.gl/tIGy6p Transcrição Sete horas. Estaciono meu carro absolutamente normal em frente à padaria. Eu sou uma pessoa convencional, daquelas que gostam de pãezinhos quentes com manteiga e café com leite servidos em copos americanos. Quem me observa, sentado no balcão e tomando meu café, vê um indivíduo comum, com contas para pagar, plantinhas para regar e um trabalho banal, que vai sugar minha energia e me levar a uma aposentadoria medíocre. Quando eu tinha oito anos, vi uma menina, mais ou menos da minha idade ser atropelada. Ela pediu ajuda. O motorista pediu ajuda. A única coisa que consegui fazer foi ficar ali, parado, observando suas últimas expressões, seus gemidos de dor. Não sei se a menina entendia toda a vida de alegrias, festas, sofrimentos e normalidades que ela estava perdendo. Eu não entendi muito bem o que acontecia. Segui sendo mais um. Agora, eu tomo café, como pão com manteiga e assisto ao jornal da manhã. A primeira notícia mostra um plano detalhe de um homem baleado no pescoço. O sangue escorre e encharca a mão dos paramédicos. O balconista não consegue piscar. Ele chama o padeiro, que para em frente à tela. Segundos depois, uma dezena de pessoas está ali, zumbificada, paradoxalmente não acreditando e querendo mais daquelas imagens, que se repetem em loop. É isso que eu faço: cruzo a cidade à procura do que apenas eu sou capaz de registrar. O som das sirenes e os gritos desesperados são o café na caneca que sua mãe te trouxe de souvenir do Chile e o fone de ouvido que toca música indie enquanto você fecha mais um relatório. Quando a âncora chama a previsão do tempo, todos voltam a seus dias ordinários. A imagem da menina coberta daquele líquido vermelho me fez não vomitar nem sentir nojo ao ver intestinos saindo de dentro dos corpos de pessoas acidentadas. Observar atentamente seus olhos se apagando não me deixa tremer enquanto seguro a câmera para filmar a morbidez a ser exibida no jornal das sete. O primeiro vídeo foi o de uma senhora atropelada. Uma van passou sobre sua perna. Instintivamente, peguei meu celular e filmei um paramédico tentando dar unidade ao que mais parecia um bolo de carne. Envie as imagens para uns amigos. Na manhã seguinte, as imagens estavas sendo exibidas na TV local. Lamentei por não ter recebido um centavo sequer com aquilo. O editor da TV espera violência gráfica. Eu entrego membros decepados, tiros, sangue e ferragens atravessando pele, gordura e ossos. Minhas noites são longas e terminam com uma transferência bancária para minha conta corrente e um pão com manteiga na padaria.
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